Faz uns dias fui
visitar a cidade de Poços de Caldas, devido algumas atividades apostólicas. Em
certo momento, enquanto admirava a vista desde a esplanada do Santuário, um
amigo me pergunta: “o que você vê alí?”, enquanto apontava uma montanha que
estava a nossa frente. Como que lembrando os desenhos de Saint-Exupéry,
respondi instantaneamente: “um elefante deitado...”. Qual foi minha surpresa ao
escutar como contra-resposta: “Sim! Você também viu! Não é todo mundo que vê de
primeira!”. E realmente não são todos os que conseguem... poucos minutos depois
tivemos que explicar (quase desenhar) qual era a forma da tal montanha para uma
outra pessoa... afinal as pessoas grandes “sempre têm necessidade de
explicações detalhadas” (p. 10), elas “não compreendem nada sozinhas, e é
cansativo, para as crianças, ficar toda hora explicando...” (p. 10).
Isso tudo me deixou
pensando em como vemos o mundo e também em como o representamos, como
expressamos o nosso modo de ver o mundo aos demais. As vezes penso que vejo o
mundo de um modo diferente dos demais, mas também reconheço que (na grande
maioria das vezes) eu vejo o mundo como um grande emaranhado de conexões
materiais e comerciais, deixando de lado o sopro profundo que submerge entre
passos e números. Queria poder ver sempre esse respiro divino, “Mas,
infelizmente, não sei ver carneiros através de caixas. Talvez eu seja um pouco
como as pessoas grandes. Devo ter envelhecido” (p. 21). Queria não ficar tão
fixados em formas quadriláteras, quase numéricas, e poder reconhecer as curvas espirituais
presentes em todos os lugares. Queria poder reconhecer melhor o sentido do que
vejo, queria reconhecer mais elefantes em montanhas e não me fechar aos
ângulos, queria compreender melhor o sentido da vida e dar menos importância aos
números (cf. p. 20).
Infelizmente estamos
sempre olhando em frente e planejando o futuro e não olhamos o bater de asas
dos pequenos insetos e sua desenvoltura dançável entre sopros e respiros. É
importante que não fiquemos sempre olhando somente para frente. “Quando a gente
anda sempre em frente, não pode mesmo ir longe...” (p. 18). É importante olhar
em volta e reconhecer que o modo como eu gostaria de representar a maravilha da
arte é só um simples ponto de vista de uma magnitude da criatividade artística de
um Deus que não se cansa de criar e amar. Quem dera eu pudesse reconhecer uma
mínima ponta de agulha de toda a arte escondida entre os maquinários criados
pelo homem, escondendo e emoldurando peças únicas de um artista quase
esquecido. Seria tão belo olhar e reconhecer essa arte diluída e sentir uma luz
que preenche e transborda, deixar que o que se vê ilumine minha face, ainda
quando eu esteja jugando o que vejo (cf. p. 14).
A vida de um artista
não se limita a criar, de criadores o mundo está creio. A arte também não se
trate de reproduzir ou copiar, para isso inventaram muitas máquinas diferentes
que ofuscam a verdadeira arte. A arte está em reconhecer o mundo de um ponto de
vista diferente, reconhecer que a arte não surge do que cada um inventa, mas
sim em expressar esse sopro divino de um modo próprio de cada um. A arte que
expressamos, que “fazemos”, é um reconhecer-se instrumento. Um instrumento que
vê o mundo de um modo diferente, que o interioriza de um modo diferente e o
expressa de um modo diferente. Que bom seria se cada um pudesse reconhecer a
arte permanente entre cabos e postes, entre passos e números. Que bom seria se pudéssemos
reconhecer elefantes em montanhas, movimentos no bater de asas de moscas,
curvas no vento, danças nas notas musicais...
(Pequena expressão do meu amor à arte)
As páginas citadas são do Livro "O Pequeno Principe" de Antoine de Saint-Exupéry da editora Agir.
As páginas citadas são do Livro "O Pequeno Principe" de Antoine de Saint-Exupéry da editora Agir.