Escrevi esse texto para uma visita que fizemos com um grupo da Juventude Masculina de Schoenstatt do Regional Sudeste à Pinacoteca da cidade de São Paulo. Acredito que seja uma reflexão que possa se extender a mais pessoas... e, como o texto é meu, posso colocá-lo aqui sem problemas.
Na sua
palestra de início dos trabalhos no Seminário Menor de Valendar, no dia 27 de
outubro de 1912, o jovem padre José Kentenich propôs um programa de trabalho
aos seminaristas que saíam de sua adolescência em meio a uma crise em relação
às autoridades palotinas. Esse programa se sintetizava com a frase: “Sob a
proteção de Maria queremos aprender a auto-educar-nos para sermos personalidades
firmes, livres e sacerdotais”.
Hoje, devido
ao caminho tomado pelos mesmos jovens ali presentes e pelo desenvolvimento do
Movimento de Schoenstatt, o termo “sacerdotais” foi substituído por
“apostólicos”. Se consideramos essas três características unidas, podemos
reconhecer nelas alguns dos pilares da paternidade que o mesmo padre Kentenich
construiu com seus dirigidos. Construíram juntos: “Nós queremos aprender. Não só vós, eu
também. Queremos aprender uns com os outros, porque nunca acabamos de aprender,
sobretudo no que se refere à arte da nossa auto-educação que representa a obra,
a ação, o trabalho de toda a nossa vida”. E tal aprendizagem não se limitava a
uma teoria de aulas e palestras, mas sim com a prática, com a vida. Andar, se
aprende andando; amar se aprende amando.
A paternidade nos dias de hoje é cada
vez deixada mais de lado, pois vemos como os pais buscam mais ser irmãos e
amigos de seus filhos do que propriamente pais. Pais que “buscam dar para seus
filhos o que não tiveram na sua infância” e terminam por “entregar tudo de mão
beijada”, criando filhos que não conseguem concretizar uma busca, não conseguem
expressar seu interior. Se precisam de algo, recebem pronto. Estamos na era do
macarrão instantâneo, comprado pronto, tudo fácil, do sedex 10... ninguém quer
ter que trabalhar por algo. E a falta de necessidade de mostrar algo
exteriormente termina por criar um vazio interior. Se olha para (o que se
acredita ser) as grandes façanhas do mundo, mas não se olha para dentro de si
mesmo. O macrocosmos[1] ocupa todo o espaço mental,
deixando o microcosmos[2] sem espaço
espiritual-criativo. Qual foi a última vez que paramos o que tínhamos que fazer por algo que queríamos fazer? Como expressamos o que estamos
sentindo?
Kentenich disse naquele 27 de outubro
que “O grau do nosso progresso no domínio das ciências tem que ser o grau do
nosso aprofundamento interior, do crescimento da nossa alma. Caso contrário,
cria-se também no nosso interior um vazio enorme, um abismo tremendo que nos
faz sentir profundamente infelizes”.
Para ajudar o outro a construir e
conhecer seus mundos interiores, precisamos nós também construir e conhecer
nossos mundos e saber como mostrá-lo aos demais. Não podemos entregar o que não
conhecemos. E precisamos saber entregar o que temos, encontrar o nosso modo de
entregar-nos, o nosso modo de ser pais. Cada pessoa possui seu microcosmos, do
mesmo modo que cada pessoa tem o seu modo de entregar esse mundo interior aos
demais. Não somos iguais uns aos outros, não somos cópias criadas por um
fordismo divino, não somos resultado de uma produção em massa... somo filhos
amados de Deus! Temos em nosso interior essa faísca do amor de Deus que nos
presenteia a cada dia a capacidade de sermos únicos. Tudo isso se faz com a
força pessoal de cada um, com a liberdade pessoal de cada um e com o desejo
pessoal de cada um de levar Cristo aos demais, ou seja, firmes, livres e
apostólicos.
O Papa Francisco diz, em sua bula Misericordiae Vultus, que Jesus é o Rosto Misericordioso do Pai. Como Filho
Amado de Deus (Batismo: Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22; e Transfiguração: Mt 17,5;
Mc 9,7; Lc 9,35) mostrava para os homens o amor do Pai. O seu interior era
preenchido pelo amor que recebia do Pai e esse amor o entregava aos demais.
Cristo expressou seu microcosmos em sua vida, em sua entrega, em cada cura e em
cada palavra. Hoje, cada um de nós podemos expressar nosso interior do nosso
modo, de acordo às capacidades que nossa vida nos permite, de acordo a
realidade de cada um. Como eu consigo expressar-me?
[1] Mundo exterior. O
padre Kentenich aplica esse termo em sua primeira palestra aos seminaristas
relacionando-o especialmente com as descobertas no âmbito das ciências e no
desenvolvimento da sociedade.
[2] “Há um mundo
sempre antigo e sempre novo, um mundo –o microcosmo, o mundo em pequeno, o
nosso próprio mundo interior– que continua desconhecido e inexplorado.”
(Kentenich, J. Ata de Pré-Fundação, 1912,)