sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Expressando a faísca de Deus

Escrevi esse texto para uma visita que fizemos com um grupo da Juventude Masculina de Schoenstatt do Regional Sudeste à Pinacoteca da cidade de São Paulo. Acredito que seja uma reflexão que possa se extender a mais pessoas... e, como o texto é meu, posso colocá-lo aqui sem problemas.



Na sua palestra de início dos trabalhos no Seminário Menor de Valendar, no dia 27 de outubro de 1912, o jovem padre José Kentenich propôs um programa de trabalho aos seminaristas que saíam de sua adolescência em meio a uma crise em relação às autoridades palotinas. Esse programa se sintetizava com a frase: “Sob a proteção de Maria queremos aprender a auto-educar-nos para sermos personalidades firmes, livres e sacerdotais”.
Hoje, devido ao caminho tomado pelos mesmos jovens ali presentes e pelo desenvolvimento do Movimento de Schoenstatt, o termo “sacerdotais” foi substituído por “apostólicos”. Se consideramos essas três características unidas, podemos reconhecer nelas alguns dos pilares da paternidade que o mesmo padre Kentenich construiu com seus dirigidos. Construíram juntos: “Nós queremos aprender. Não só vós, eu também. Queremos aprender uns com os outros, porque nunca acabamos de aprender, sobretudo no que se refere à arte da nossa auto-educação que representa a obra, a ação, o trabalho de toda a nossa vida”. E tal aprendizagem não se limitava a uma teoria de aulas e palestras, mas sim com a prática, com a vida. Andar, se aprende andando; amar se aprende amando.
A paternidade nos dias de hoje é cada vez deixada mais de lado, pois vemos como os pais buscam mais ser irmãos e amigos de seus filhos do que propriamente pais. Pais que “buscam dar para seus filhos o que não tiveram na sua infância” e terminam por “entregar tudo de mão beijada”, criando filhos que não conseguem concretizar uma busca, não conseguem expressar seu interior. Se precisam de algo, recebem pronto. Estamos na era do macarrão instantâneo, comprado pronto, tudo fácil, do sedex 10... ninguém quer ter que trabalhar por algo. E a falta de necessidade de mostrar algo exteriormente termina por criar um vazio interior. Se olha para (o que se acredita ser) as grandes façanhas do mundo, mas não se olha para dentro de si mesmo. O macrocosmos[1] ocupa todo o espaço mental, deixando o microcosmos[2] sem espaço espiritual-criativo. Qual foi a última vez que paramos o que tínhamos que fazer por algo que queríamos fazer? Como expressamos o que estamos sentindo?
Kentenich disse naquele 27 de outubro que “O grau do nosso progresso no domínio das ciências tem que ser o grau do nosso aprofundamento interior, do crescimento da nossa alma. Caso contrário, cria-se também no nosso interior um vazio enorme, um abismo tremendo que nos faz sentir profundamente infelizes”.
Para ajudar o outro a construir e conhecer seus mundos interiores, precisamos nós também construir e conhecer nossos mundos e saber como mostrá-lo aos demais. Não podemos entregar o que não conhecemos. E precisamos saber entregar o que temos, encontrar o nosso modo de entregar-nos, o nosso modo de ser pais. Cada pessoa possui seu microcosmos, do mesmo modo que cada pessoa tem o seu modo de entregar esse mundo interior aos demais. Não somos iguais uns aos outros, não somos cópias criadas por um fordismo divino, não somos resultado de uma produção em massa... somo filhos amados de Deus! Temos em nosso interior essa faísca do amor de Deus que nos presenteia a cada dia a capacidade de sermos únicos. Tudo isso se faz com a força pessoal de cada um, com a liberdade pessoal de cada um e com o desejo pessoal de cada um de levar Cristo aos demais, ou seja, firmes, livres e apostólicos.
O Papa Francisco diz, em sua bula Misericordiae Vultus, que Jesus é o Rosto Misericordioso do Pai. Como Filho Amado de Deus (Batismo: Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22; e Transfiguração: Mt 17,5; Mc 9,7; Lc 9,35) mostrava para os homens o amor do Pai. O seu interior era preenchido pelo amor que recebia do Pai e esse amor o entregava aos demais. Cristo expressou seu microcosmos em sua vida, em sua entrega, em cada cura e em cada palavra. Hoje, cada um de nós podemos expressar nosso interior do nosso modo, de acordo às capacidades que nossa vida nos permite, de acordo a realidade de cada um. Como eu consigo expressar-me?
Tudo isso se faz unido aos demais. Somos seres sociais e comunitários. Jesus, o amor de Deus feito homem, se faz presente nessa vida comum (Mt 18,20), assim aprendemos uns com os outros. Reconhecendo o modo de expressar dos demais, encontramos caminhos para o nosso expressar, não copiando-os, mas aprendendo. O modo de cada plasmar seu interior nos dá meios para conhecer ao outro e encontrar-nos em pontos comuns. Olhemos ao nosso redor, a essa quantidade de mundos que caminham a nossa volta e buscam expressar-se. Muitas vezes nos surpreendemos com o modo que alguns utilizam para expressar-se, seja no seu modo de vestir ou atuar. Essa surpresa é normal, afinal esse mundo não é o nosso, não é o mundo que estamos acostumados a ver dentro de nós mesmos. Seria interessante se, no caminho por encontrar o nosso modo de expressar-se, pudéssemos reconhecer a grandeza do modo como o outro se expressa e, desde seu modo de expressar, consigamos encontrar a faísca de Deus dentro do outro.



[1] Mundo exterior. O padre Kentenich aplica esse termo em sua primeira palestra aos seminaristas relacionando-o especialmente com as descobertas no âmbito das ciências e no desenvolvimento da sociedade.
[2] “Há um mundo sempre antigo e sempre novo, um mundo –o microcosmo, o mundo em pequeno, o nosso próprio mundo interior– que continua desconhecido e inexplorado.” (Kentenich, J. Ata de Pré-Fundação, 1912,)

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